sábado, 24 de maio de 2008

"Amor de louca juventude"


"Certas histórias, por mais piegas que pareçam, precisam ser contadas"

O reencontro dos dois aconteceu 20 anos depois daquele fim de tarde de 1988. Ao vê-lo, o coração de Maria Cristina bateu mais forte e ela voltou no tempo. Tinha 14 anos e iria sair de casa sozinha pela primeira vez. Usava calças jeans, uma camiseta pólo amarela, modelo feminino, um par de tênis Olympicos. No bolso de trás dos jeans, levava a carteira de identidade, o dinheiro do ônibus – passagem de ida, volta e uma de reserva, para casos de emergência; além de uma quantia extra para o lanche. A sessão estava marcada para às 17h, no cinema de um shopping center.

A cidade onde Maria Cristina morava tinha apenas dois shoppings, um com dois e o outro com três salas de exibição. Havia outros cinemas no centro, mas esses ela ainda não tinha permissão de freqüentar sozinha. Escolheu o que ficava mais perto de casa. No bairro vizinho, cerca de 15 minutos de ônibus. Para uma primeira incursão fora do ninho, sem a companhia da mãe ou da tia zelosa - que andava com o guarda-chuva embaixo do braço, pronta para bater no primeiro que assobiasse para a adolescente -, aquele cinema servia perfeitamente.

Pontualmente às 17h ele estava lá. Charmoso, envolvente, no auge dos 40 anos, a idade do lobo. Tinha um sorriso tão de menino, tão maroto, meio cínico, meio ingênuo. Maria Cristina se deixou levar, foi conduzida para o mundo dele, viveu cada uma das suas aventuras como se fossem dela. Escalou rochas, transpôs obstáculos, sentiu cada ofegar de respiração, quase desmaiou, chorou, gritou, tremeu, riu muito, riu tanto de ter dor de barriga. Duas horas depois, voltava para casa, tinha prometido à mãe que era do cinema direto para o pequeno apartamento onde moravam, sem fazer escala nem na padaria. Aliás, houve uma escala na padaria, que ficava três casas antes do edifício.

Ainda sob o impacto dos olhos azuis dele, do cabelo castanho-aloirado e do sorriso encantador, mal ouvia o que perguntavam. A mãe queria saber como foi o filme, a avó queria saber como foi o caminho de volta, se não estava escuro, se o ponto de ônibus não estava deserto, a irmã caçula brincava de boneca.

Vinte anos depois, sentada em uma das doze salas de cinema de um shopping center, Maria Cristina sentia o sabor do primeiro encontro como se tivesse acabado de ocorrer. Em dez minutos os dois se veriam de novo. Ele era um cavalheiro e seria pontual. Enquanto esperava, lembrou que na cidade onde mora, a mesma da adolescência, agora existem tantos shoppings quanto a ânsia de gastar dinheiro de seus habitantes. O cinema é diferente. Os que ela freqüentava na adolescência não existem mais. Esse cheira a cigarro, ar condicionado, mofo e dedos engordurados de hambúrguer e pipoca.

Não resistiu, precisava dividir a alegria que sentia com alguém. Ligou para a mãe: “Hoje é um marco na minha vida, vinte anos depois, vou vê-lo de novo e estou novamente sozinha. Como da primeira vez, seremos só nós dois”. Nem se deu conta de que, igual a outra vez, a sala do cinema estava lotada. No mundo só existiam os dois. A mãe, que mesmo quando não entende, apóia cada entusiasmo da filha, até quando o objeto desse arroubo é bem singelo, prosaico, terminou a ligação com o clássico “Deus te abençoe”. Acrescentou também um “divirta-se” e um “passe na padaria no caminho de casa”.

Quando ele entrou na sala escura, Maria Cristina percebeu que os anos foram generosos. Era um senhor, havia sinais nítidos de que envelhecia, mas havia uma dignidade tão grande nos seus cabelos brancos e o brilho dos olhos azuis ainda era o mesmo. O sorriso também não tinha mudado nada. Continuava um homem lindo, não mais como o príncipe que provoca paixões, mas como um pai que deixa as amigas da filha babando de inveja.

Lindo como o sol ao entardecer, Harrison Ford ainda era Indiana Jones. Aos 60 e tantos, era o herói capaz de fazer o coração de Maria Cristina, aos 34, bater da mesma forma que batia quando ela nem havia beijado na boca o primeiro menino.

Um comentário:

Sr. Boaventura disse...

Quarta-feira. 19h. Pré-estréia de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, 2008). Faltava 50 minutos para o começo da sessão, mas eu e meu nobre colega blogueiro, Marcel Ayres, já estavámos na fila do cinema. Erámos os primeiros.

Três minutos depois, chega um homem. Terno e gravata. "É aqui a fila para a sessão de Indiana Jones?", pergunta o sujeito, desarrochando o colarinho e abrindo um sorriso. A fila só aumenta. Casais, velhos, pais com a família inteira. Aquilo que estava para acontecer não era simplesmente uma sessão no multiplex mais próximo de você. Era um sonho de milhares se realizando.