segunda-feira, 3 de março de 2008

Exercício de jornalismo literário em capítulos

VIII - Narrador fantástico
“É costume entre os tupinambás que, quando morre qualquer deles, o levam a enterrar embrulhado na sua rede em que dormia, e o parente mais chegado lhe há de fazer a cova. Com os cabelos soltos sobre o rosto, estão-no pranteando até que fica bem coberto de terra; de onde tornam para sua casa, onde a viúva chora o marido por muitos dias; e se morrem as mulheres destes tupinambás, é costume que os maridos lhes façam a cova, e ajudem a levar às costas a defunta...”
(Trecho de Noticias do Brasil – Gabriel Soares de Souza)

Como qualquer estrangeiro desacostumado aos trópicos, Gabriel Soares de Souza temia as assombrações.

Envolvido por lendas fantásticas, seu maior medo era o Upupiara, entidade marinha metade homem, metade peixe, que aterrorizava a baía de Todos os Santos devorando pessoas e animais.

O monstro apareceu pelos lados do seu engenho e comeu cinco escravos, garante o cronista. Num outro ataque, o único que se salvou “ficou tão assombrado que esteve para morrer”.

É difícil acreditar que o autor de uma importante fonte de informações sobre a época colonial brasileira acreditava na existência de monstros devoradores de gente?

Você está no século XVI. Depois de meses à fio num navio, viajando nas condições mais precárias, com as gengivas sangrando de escorbuto, desembarca na praia selvagem, exuberante, cheia de homens e mulheres pelados e sem nenhuma plaquinha indicando Welcome to Brazil. Ficou perdido? Quer voltar para casa nadando? Pois era mais ou menos assim que os primeiros colonos se sentiam. Os letrados, como Gabriel Soares de Souza, transformavam o medo em palavras.

A sedução exercida sobre ele por esse vasto mundo desconhecido, que contrariava toda a lógica da civilização medieval européia, está preservada nas páginas de Noticias do Brasil.

Andreia Santana, trecho da reportagem Cronista da Colônia, publicada em junho de 2004, no jornal Correio da Bahia.

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