segunda-feira, 3 de março de 2008

Exercício de jornalismo literário em capítulos

IX - Diário de Nassau
O holandês João Maurício, conde de Nassau, príncipe de Orange, mal acreditou que tais maravilhas existiam do outro lado do Mar das Tormentas. Por mais que soubesse que o caminho por aquelas águas era seguro, não se esquivava de chamar o Atlântico pelo nome que sempre impôs respeito aos marinheiros. Mas esse tal Gabriel, português de cabelinhos nas ventas, era muito convincente.

Um tal Gabriel Soares de Souza deixou manuscritos sobre a vila de Olinda e o resto do Brasil. Uma cópia do que ele escreveu me chegou às mãos, através do padre Manoel do Salvador. Por essas notícias pude entender os interesses da Companhia (das Índias) na conquista. Sua descrição é saborosa...”, registrou Nassau no seu diário pouco depois de desembarcar em Pernambuco e ficar deslumbrado com “o verde das matas, os pássaros, o grande rio, que me lembrou os canais de Amsterdam.”

Quando portugueses e espanhóis se lançaram ao mar em busca de novas terras não sabiam, mas estavam inaugurando a literatura de viagens que um dia encantaria gente como o conde de Nassau. Para cada novo quinhão conquistado, havia sempre um correspondente com pergaminho e pena a postos para registrar todas as novidades que alegrariam os ouvidos dos seus respectivos reis.

A carta de Pero Vaz de Caminha e os escritos de Américo Vespúcio são bons exemplos desses relatos. Com a colonização, aumentou o número de viajantes interessados em descobrir como era esse lado do mundo. A qualidade dos textos, antes meros relatórios descritivos, melhorou bastante na medida em que crescia o fascínio desses homens, criados sob o temor da Igreja e dos rígidos códigos medievais, pela exuberante terra das palmeiras.

Mauricio de Nassau, que chegou ao Brasil no século XVII para governar Pernambuco, capitania tomada pelos holandeses, percebeu que os textos de Gabriel Soares de Souza confirmavam aquilo que ele já imaginava. As capitanias da colônia portuguesa valiam cada gotinha de tinta utilizada pelo cronista para cantar as suas belezas.

Não existe registro se além do conde de Nassau, outros holandeses ficaram embevecidos e cheios de cobiça diante das descrições dos ricos engenhos de cana-de-açúcar do recôncavo baiano, feitas por Gabriel Soares. Porém, pouco mais de 30 anos depois da morte da cronista, um dos seus alertas a Felipe II mostrou-se correto. Ao avistar as velas holandesas enfunadas no horizonte, a população de Salvador “entrouxou” os pertences e bateu em retirada, entregando a cidade aos conquistadores batavos.

Andreia Santana, trecho da reportagem Cronista da Colonia, publicada em junho de 2004, no jornal Correio da Bahia.

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