quarta-feira, 5 de março de 2008

Exercício de jornalismo literário em capítulos

X - Homem sem face

“Donde quer que eu falecer, me enterrarão no hábito de São Bento, havendo aí mosteiro de sua ordem, é onde me enterrarão“

(Trecho do testamento de Gabriel Soares de Souza)

Típico português com os indefectíveis bigodes. Jovem aventureiro com ares de Robin Hood. Um grisalho senhor de engenho. Gabriel Soares de Souza pode ter sido qualquer um desses homens ou nenhum deles. Será que tinha o porte militar de Thomé de Souza ou a cara de poucos amigos de Mem de Sá? Não há como saber, pois não existem imagens dele. Nem uma única gravura das que enche as páginas dos livros de história. Ninguém pensou em pintar seu retrato para a posteridade. Muito menos os autores que falam das aventuras pelo sertão atrás de ouro, fazem menção às características físicas do homem que dedicou um livro inteiro a descrever, com riqueza de detalhes, um país de dimensões continentais.

Gabriel era gordo ou magro? Alto ou baixo? Nem Frei Vicente do Salvador ou Francisco Adolfo Varnhagen conseguiram se aprofundar o suficiente na vida do autor de Noticias do Brasil. Também não é só o rosto do cronista que permanece uma incógnita. Os mistérios em torno dele incluem a origem, motivos que o trouxeram para a colônia e o mais intrigante de todos: como, de simples colono - dizem que foi lavrador de cana-de-açúcar - chegou a senhor de engenho e dono de terras que iam do Solar do Unhão até a entrada do Corredor da Vitória, sem contar as duas fazendas no recôncavo, em Jaguaribe e às margens do rio Jiquiriça.

Nascido em Portugal, supõe-se que em Lisboa, Gabriel Soares de Souza chegou ao Brasil, entre 1569 e 1570, de carona em um navio. Decidiu ficar em Salvador, provavelmente numa das paradas das embarcações para abastecimento de água no porto da baía de Todos os Santos. Quantos anos tinha quando chegou? Não há registros. Que idade contava quando morreu em algum lugar as margens do rio Paraguaçu? Ninguém sabe.

Além da data de sua chegada, as informações sobre ele dão conta de que viajou para Espanha em 1584, pouco depois de fazer um testamento que legava quase todos os bens que possuía ao mosteiro de São Bento, onde também está o seu túmulo.

Andreia Santana, trecho da reportagem Cronista da Colônia, publicada em junho de 2004, no jornal Correio da Bahia

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