sábado, 23 de fevereiro de 2008

Exercício de jornalismo literário em capítulos

I - A mensagem

O mensageiro dobrou a carta bem miúda e colocou por dentro do chapéu. O embrulho, ele escondeu sob as roupas. Se despediu minutos antes do doente dar o último suspiro. Ao sair das fronteiras do acampamento, respirou fundo. Apertou o chapéu com mais força na cabeça. Aquela seria a missão mais importante de sua vida. Com um facão afiado, abriu caminho por entre espinhos secos e mata cerrada. Atravessou terras esturricadas de sol, lamaçais infestados de sanguessuga. Viajava na mais extrema solidão. Nem que quizesse poderia ser acompanhado. As ordens que havia recebido eram precisas. “Só entregue a mensagem que está carregando nas mãos de meu irmão”. No caminho, só conversava o tempo necessário para se informar com um viajante e conferir a rota. Depois de perder a conta dos dias e das léguas vencidas, finalmente chegou às terras do engenho à beira do rio Jiquiriçá, no recôncavo baiano.

O dono saira ao raiar da aurora para inspecionar os canaviais. O mensageiro esperou. Lhe deram água e comida, que comeu com o desespero de quem passou dias viajando pelos matos, escondendo-se dos curiosos. Ao cair da tarde, avistou descendo o caminho até a casa grande um homem montado num cavalo. Vinha acompanhado dos feitores. Não reconheceu seu rosto. Pelo porte, imaginou que era quem procurava. “Vossa mercê é o senhor Gabriel Soares de Souza? Tenho uma mensagem de vosso irmão, João Coelho de Souza. Ele me deu pouco antes de morrer de febre”. Entregou a carta ao homem que lhe pareceu um dos fidalgos do rei, embora ele não tivesse muita certeza porque nunca vira um fidalgo de perto. “Vossa mercê não deve abrir isso aqui fora, na frente dessa gente”. Gabriel olhou o mensageiro de esguelha, desviou o olhar para os feitores, eles retiravam as selas dos animais. Decidiu seguir o conselho. Os dois homens entraram na casa grande. O senhor do engenho abriu a carta do irmão. Dentro dela, em letras tremidas, a despedida de um condenado. Acompanhava a mensagem, um misterioso mapa. Era o caminho para o Eldourado, as minas de ouro e prata escondidas em algum lugar próximo às cabeceiras do rio São Francisco.

Andreia Santana, trecho da reportagem Cronista da Colônia, publicada em 27 de junho de 2004, no jornal Correio da Bahia

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