domingo, 24 de fevereiro de 2008

Exercício de jornalismo literário em capítulos


II - A expedição

Com mãos nervosas, Gabriel abriu o saquinho que acompanhava a carta e o mapa. Deixou escapar uma exclamação de surpresa quando viu as amostras reluzentes que o irmão enviara pelo mensageiro. Só então se deu conta de que o homem ainda estava na sala, de cabeça baixa, esperando novas ordens. “Conhece o conteúdo da mensagem que me trouxe?”. O homem sacudiu a cabeça afirmativamente. “Sabe onde fica o lugar indicado neste mapa?”. Aceno negativo. “Então, teremos de revirar o sertão até encontrar”.

Daí em diante, o senhor de engenho Gabriel Soares de Souza, português radicado na Bahia na segunda metade do século XVI, não teria mais sossego na vida até encontrar os tesouros prometidos no mapa de seu irmão. A trajetória percorrida por ele nessa busca, embora registrada com bem menos cores pela história oficial, abre espaço ilimitado à imaginação e daria um romance. De uma coisa Gabriel teve certeza logo que leu o conteúdo da carta: João não sabia onde estavam as minas. Depois de três anos de andanças, chegou bem perto de encontrá-las. O que ele precisava era refazer o caminho do irmão e seguir adiante.

Interrogou o mensageiro sobre como se deu a morte de João, onde havia sucedido e como ele fizera aquele mapa.

O engenho tomou-se de uma agitação pior do que na época do corte e moagem da cana. Pior ainda do que em 1567, quando Gabriel Soares se estabeleceu por aquelas bandas acompanhado de escravos, carros de boi e índios forros.

Foi com dó que o senhor do engenho de Jiquiriçá mandou matar umas quantas cabeças de gado para fazer carne de charque. Apesar do boi valer muito numa fazenda de cana-de-açúcar, no século XVI as moendas funcionavam com tração animal, a carne curtida em grandes mantas seria mais necessária numa viagem que prometia ser longa. Farinha! Era preciso arrumar muitos sacos de farinha de mandioca. Gabriel, autor de Noticias do Brasil, uma das crônicas mais importantes da época colonial - fonte de consulta dos historiadores que o sucederam - sorriu ao lembrar da curiosidade de recém-chegado diante da técnica dos índios para transformar aquela raiz arrancada das entranhas da terra, em alimento. Ralar, espremer a água peçonhenta e secar ao fogo. A farinha, que não se estraga com facilidade, seria o prato principal daquela aventura sem prazo definido.

Andreia Santana, trecho da reportagem Cronista da Colônia, publicada em 27 de junho de 2004, no jornal Correio da Bahia

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