quarta-feira, 5 de março de 2008

Exercício de jornalismo literário em capítulos

XIV – O testamento
“Declaro que os chãos que tenho nesta cidade (...) e a terra que tenho valada no caminho da Vila Velha da banda do mar e da outra banda, queria que ficasse tudo a meu quinhão por tudo ser muito necessário para o mosteiro (...) e por aqui hei este testamento acabado pelo qual hei de por revogado todos os que tenho feito antes deste e este só quero que valha porque esta é minha derradeira vontade no qual fiz por minha mão e assinado por mim Gabriel Soares de Souza.”

Quase sete anos em Madrid e Gabriel Soares de Souza não esquecia as praias baianas. Talvez para manter viva a lembrança da terra que adotou para viver, o cronista tenha dedicado a segunda parte de Noticias do Brasil à narração da “memória e declaração das grandezas da Bahia”.

Engenhos, igrejas, a natureza, o cotidiano e os costumes da recém nascida Salvador, tudo foi registrado com grande competência e o tempero amargo da saudade.

Apesar do cuidado que teve em preservar a memória da cidade, quatro séculos atrás, atualmente resta bem pouco na capital que lembra o seu tempo. Os passos de Gabriel estão na ladeira de São Bento? Tantos carros e pessoas circulam por lá diariamente que já devem ter apagado o rastro deixado por ele.

Será que suas botas ecoam no chão de pedras do Unhão? Foi ele o primeiro desbravador daquela encosta. Construiu um engenho onde hoje funciona o Museu de Arte Moderna da Bahia, mas ao invés de chamar-se Solar Soares de Souza, o conjunto preservou o nome de Pedro de Unhão Castelo Branco. Pouca gente sabe que o solar, antes de virar museu ou de ser transformado, no século XIX, em fábrica de rapé, foi herdado pelos beneditinos junto com todos os outros bens do cronista.

A herança de Gabriel Soares de Souza, como não poderia deixar de ser em se tratando de um homem do qual não resta nem um retrato, é capítulo nebuloso e polêmico na grande aventura da sua vida. Há quem defenda que a herança nunca existiu e que os monges receberam somente um testamento bem escrito, exemplo da retórica quinhentista. Outros pesquisadores confirmam que Gabriel Soares de Souza legou uma fortuna em terras e imóveis ao mosteiro de São Bento da Bahia.

Andreia Santana, trecho da reportagem Cronista da Colônia, publicada em junho de 2004, no jornal Correio da Bahia.


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