sábado, 9 de agosto de 2008

As mil e uma aventuras do príncipe Rajá

O rei destronado (final)

A porta de madeira foi aberta com um rangido, o suficiente para que uma mão colocasse a jarra de água e o prato de comida para o prisioneiro. O rei Paxá, recostado na parede cinzenta e coberta de limo, repassava pela milionésima vez os últimos acontecimentos antes de acordar acorrentado em um calabouço que ele acreditava ficar no subsolo do seu próprio palácio. O barulho da porta de madeira sendo arrastada no chão de pedra chamou sua atenção. Ele tentou levantar-se, mas estava muito fraco. Arrastando-se, chegou até a comida e a água.

Mal tinha colocado o primeiro bocado na boca, a porta da cela se abriu e Islamal entrou. Ao ver o irmão, o rei Paxá sentiu-se muito feliz, queria até levantar para dar um abraço no seu conselheiro, mas as correntes pesadas e a fraqueza nas pernas não ajudavam muito. O olhar que Islamal lançou ao rei era tão inexpressivo que Paxá temeu pelo pior. “Será que ele foi enfeitiçado?” Arrastando-se de volta para o canto do calabouço e tentando se apoiar na parede para levantar, o prisioneiro perguntou: “Islamal, meu irmão, o que está acontecendo? Onde estão Rajá e Isdora? O que aconteceu com você? Por que estou aqui preso nesse calabouço? Onde estão os súditos da cidade...”

Islamal ergueu a magra e pálida mão direita, pedindo silêncio ao rei. Ficou estudando a fisionomia transtornada do irmão, a barba por fazer, as roupas sujas e rasgadas, as faces encovadas e as olheiras profundas de quem não come e não dorme direito faz muito tempo. Sentiu-se recompensado, vingado pelos anos em que viveu a sombra de Paxá, como o segundo homem do reino, o vizir, o conselheiro, e não como o governante, como aquele que recebia as homenagens. Enquanto Paxá era aclamado pelos súditos, amado por uma bela rainha e adorado por um filho muito esperto, Islamal tinha de se contentar em assistir toda aquela felicidade. Era demais para alguém como ele, que se julgava o mais inteligente dos homens, o mais poderoso dos magos. Vendo o ex-rei da Cidade de Ouro e Prata reduzido à condição de prisioneiro, beirando a indigência, todos os anos de mudo e silencioso ressentimento deixaram de pesar sobre a sua alma corroída pela inveja.

A vontade de Islamal era contar ao irmão, em detalhes, como o seu plano tinha dado certo. Como havia seduzido o príncipe Rajá com as aulas de magia, como levou o menino a criar uma poção do sono que fez o rei e a rainha dormirem por semanas. Como havia encorajado Rajá a viajar para conhecer a Floresta Sem Fim e aproveitando a ausência do príncipe, trancado o rei naquele calabouço. Queria também dizer ao irmão que finalmente, a rainha Isdora, que sempre o desprezara, era agora sua prisioneira. Que em breve, pretendia casar-se com ela, assim que comunicasse aos súditos, todos reduzidos à escravidão, que o seu bom rei havia morrido. Islamal pretendia ainda atormentar o rei descrevendo as mil e uma formas como Rajá, um menino de onze anos incompletos, poderia ter morrido, sozinho e abandonado, vitima das armadilhas da Floresta Sem Fim. Para finalizar sua cruel narrativa, o vil conselheiro pretendia ainda dizer de que forma iria transformar a Cidade de Ouro e Prata na sede do seu grande reino do mal, espalhando o terror entre todos os povos vizinhos.

Mas ele não disse nada disso. A história que ele contou foi assim:

- Paxá, meu irmão, que bom que você está vivo!! Levei dias procurando-o em todos os calabouços do Palácio de Ouro e Prata. Você não tem idéia do que aconteceu. Uma horda de invasores terríveis dominou a cidade. O príncipe e a rainha foram feitos prisioneiros. Só me deixaram vivo porque eu sou um mago que tem grandes poderes, como você bem sabe. Estou empenhado em descobrir para onde Rajá e Isdora foram levados e assim, ajudar vocês três a fugirem daqui. O líder da horda de invasores já anunciou que vai matar o menino e que pretende desposar a rainha. Ele também pretende deixar você apodrecer aqui para sempre e a cidade está toda arrasada, sem jardins, sem alegria. O povo se esconde com medo dos invasores. Tentarei voltar aqui outra vez para vê-lo e ajudá-lo a reencontrar sua família...

O rei Paxá, apesar das pernas fracas e das correntes pesadas, ergueu-se de um salto e alcançou Islamal quando o mago se aproximou da porta, com a intenção de ir embora.

- Meu irmão, o que está acontecendo? Que história louca é esta? Onde estão minha mulher e meu filho?... – as lágrimas escorriam do rosto do rei, que segurava as roupas do irmão, sacudia-o, implorava uma explicação. Era difícil para Islamal sustentar a farsa, manter seu teatro e fingir que a cidade estava dominada por inimigos desconhecidos. Ver o grande rei Paxá chorando era alegria demais para um só dia. Mas ele se controlou, escondeu a felicidade por trás do mesmo olhar inexpressivo que o ingênuo rei Paxá interpretava como sendo de piedade.

- Paxá, meu irmão e soberano, a quem devo respeito e obediência, também sou prisioneiro dos invasores. Eles me vigiam dia e noite, não posso ficar muito tempo aqui, ou eles vão desconfiar e também me colocarão num calabouço. Se isto acontecer, acabam-se as nossas esperanças de salvar a cidade e principalmente, salvar a sua família. Voltarei assim que puder com mais noticias.

Soltando as vestes das mãos tremulas do rei, Islamal deu uma batida na porta do calabouço, que se abriu para que ele saísse. O rei Paxá, que agora sabia ter se tornado um soberano destronado, ficou de pé, olhando a porta de madeira pela qual sua única esperança de escapar daquele pesadelo tinha acabado de sair.

(Para conhecer mais sobre a história do príncipe Rajá, acesse os posts dos dias, 18, 19, 20, 23 e 26 de abril; 01, 03, 18 e 21 de maio; 01 de junho; 09 e 24 de julho; além daqueles de 01 e 02 de agosto).

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