sexta-feira, 28 de março de 2008

Encontro das duas marias

Maria Helena e Maria Luiza eram amigas desde que se lembravam. Leninha era mais velha quatro anos e Marilu era a mais empolgada das duas. Enquanto Maria Helena tinha a alma ensolarada, mas sujeita aos dias nublados, um senso de humor agridoce e uma necessidade de sonho quase constante; Maria Luiza era realista, resolvia tudo de forma prática, se sonhava ninguém sabia e sua alma não era ensolarada, ela era o sol. As duas se completavam, se amavam quase sempre e se odiavam com freqüência.
A amizade começou quando a mãe de Marilu, grávida de oito meses, foi morar na rua onde Leninha vivia com a família. A gestante ganhou a solidariedade das vizinhas, incluindo a mãe de Maria Helena, que não parava de olhar espantadíssima para a barriga estufada da mulher simpática que lhe oferecia refresco de uva.

“Ela tá doente mãe?”
“Não Leninha, tá grávida”

Pausa para pensar. Sobrancelas arqueadas. A boca se abre e se fecha e o som da pergunta morre na garganta.

“Grávida é quando a mulher está esperando neném”
“Ela engoliu ele?”
“Não meu anjo, o neném cresce na barriga da mãe e nasce”
“Aaaaah, e por onde ele sai?”
“A gente conversa sobre isso depois”.

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No dia do parto a casa ficou pequena para a quantidade de vizinhas. O pai de Leninha levou o pai do bebê prestes a vir ao mundo para tomar ar e cerveja.
Homens fora do caminho, mulheres ao redor da cama de casal, alfazema queimando no fogo, água fervendo (para quê mesmo serve a água?), parteira a postos, as contas do terço se perdendo entre dedos, ave-marias e padre-nossos misturando-se num murmúrio quase mantra.
Ouvido colado à porta, Leninha pescava trechos da reza, o borbulhar da água fervendo, o “força minha fia” da parteira, os gemidos da vizinha e...um miado de gato!!!!

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Horas depois, os braços fortes de um pai carregando uma menina e os passos trôpegos de outro pai com cara de bobo diante de uma vizinha deitada e segurando uma trouxa cor de rosa, Leninha ouve a voz da mãe:
“Maria Helena, essa aqui é a Maria Luiza, sua nova amiguinha”.
A vizinha, com voz que misturava choro, cansaço e emoção, arremata:
“Vocês serão grandes amigas”.
Olhando a cena de cima, pendurada no braço do pai, Maria Helena olhou bem para a trouxinha. Descobriu no meio dela um dedo minúsculo, menor que o das suas bonecas, enfiado numa boca ainda menor e não sabia o que fazer com a descoberta.


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